Sabemos o valor da
identidade e em muitos casos, gostamos bastante da identidade que nos atribuem
ou aquela que buscamos ter. Só que nem sempre é analisado e avaliado o
investimento que é necessário para alcançar aquele patamar. Há profissões que
são necessários anos de estudos, outras que requerem muita abnegação. Percebemos
que sempre há algum investimento que se faz necessário, e para ser um discípulo
não é diferente.
Ser um discípulo não é
apenas uma questão de nomenclatura ou status. Um discípulo é reconhecido pelo
que pensa, faz, diz ou pelo que é e assim, o identificarão com o seu mestre ou
mentor. As autoridades, os anciãos e os escribas ao perceberem a intrepidez de Pedro
e João, sendo eles iletrados e incultos, chegaram à conclusão de que “eles estiveram com Jesus” (At 4.13).
Lucas em seu Evangelho nos
apresenta três homens que tiveram a oportunidade de serem discípulos de Jesus, mas
mostraram não estarem preparados para tal projeto. Este relato é encontrado no
capítulo 9.57-62 e neste podemos refletir sobre a nobre identidade de um
discípulo e para tal, é necessário observar algumas implicações. Estas implicações
podem ser observadas nos diálogos de Cristo com cada um destes homens.
A primeira implicação é
possível ver no episódio ocorrido com o primeiro homem (57-58). De acordo com
Mateus 8.19, ele era um escriba, que afirma querer andar com Jesus. Mas ao ser
interpelado pelo Salvador percebemos que ele não estava disposto a abrir mão de
algumas regalias. Seguir a Jesus é uma experiência rica e maravilhosa, mas nem
sempre é fácil. Jesus, sendo Filho, não tinha onde reclinar a cabeça. Quando
vemos os apóstolos e tantos outros mártires, que abdicaram de tudo e da própria
vida, para se manterem como discípulos de Jesus, percebemos que há um custo, e
o discípulo deve estar ciente disto. A Jeremias custou ser jogado em uma
cisterna e lá ficar atolado na lama, mesmo ele exercendo fielmente a sua
identidade de profeta. A José custou uns anos na prisão, mesmo sendo ele
inocente e reto diante do Senhor. A Paulo e Silas o custo foi o de serem
açoitados, mesmo sendo eles os instrumentos do Senhor para libertar uma jovem
de demônios e de seus senhores opressores.
É interessante o convite feito
por Paulo a Timóteo: “Participa dos meus
sofrimentos como bom soldado de Cristo” (2Tm 2.3). Um discípulo passará por
sofrimentos, como vemos na vida do apóstolo Paulo. E neste contexto de Timóteo,
ele é convidado por Paulo para sofrer junto com ele. Um bom discípulo e soldado
participa dos sofrimentos dos santos. O sofrimento faz parte da vida de um
discípulo. Cristo disse que seríamos como ovelhas no meio de lobos (Mt 10.16),
e o apóstolo Paulo, citando o Salmo 44 disse que por amor a Deus, seríamos
entregues à morte o dia todo, e seríamos considerados como ovelhas para o
matadouro (Rm 8.36). Um discípulo não tem uma vida de luxo, pelo contrário, ele
deve carregar a sua cruz, ser afligido, rejeitado e provado.
Já no segundo episódio (59-60)
podemos ver algo bem interessante. O segundo homem teve a honra de ser
convocado por Jesus, diferentemente do escriba. Este homem teve a sublime
oportunidade de ser um discípulo escolhido pelo Senhor. Uma convocação como a
nossa, onde o Senhor nos chamou das
trevas para Sua maravilhosa luz (1Pe 2). Nós que estávamos mortos em nossos
delitos e pecados, –segundo Paulo escreve aos irmãos de Éfeso – passamos a ter
vida em Cristo Jesus.
Mas este segundo homem
parece não ter entendido a dimensão deste chamado. A narrativa nos revela que
ele tinha algo mais importante, a prioridade da sua vida naquele momento era
sepultar seu pai. É possível que esta resposta dada a Jesus revela o desejo que
este homem tinha de esperar pela morte de seu pai, aproveitar os possíveis
últimos dias de vida, para depois de sua morte, ele seguir a Jesus.
Jesus aqui não o
incentiva a desonrar seu pai, mas sim, mostrar a este homem que a pregação do
Reino de Deus deve ser a prioridade de um discípulo, e que isso é mais
importante que qualquer coisa. Hernandes Dias Lopes expressando sobre a
importância da pregação disse:[1]
“Todo
chamado é um enviado. Quem encontrou o Pão da vida, não pode sonegar esse Pão
aos que perecem. Aqueles que foram arrancados do império das trevas, não podem
deixar de levar a luz do evangelho aos que jazem nas trevas. Aqueles que foram
perdoados, não podem deixar de avisar aos que jazem perturbados pelos seus
pecados, que Deus é rico em perdoar e tem prazer na misericórdia”.
Esta é uma necessidade
que urge e todo discípulo a deve ter como prioridade.
O terceiro e último
episódio (61-62) mostra mais um homem que se dispõe a seguir a Jesus, mas parece
não estar tão determinado a isso. Ele pede para primeiro se despedir dos da
casa. Talvez este seja o diálogo mais intrigante desta perícope, pois
poderíamos argumentar: “Que mal há em uma despedida”? Afinal, este mesmo pedido
foi feito por Eliseu à Elias e na ocasião lhe foi concedido (1Rs 19.19-21). O
texto não explica o porquê, mas temos confiança plena que Jesus, conhecedor do
que passava no coração das pessoas, sabia que este homem não estava com o
coração totalmente engajado no Reino e por isso, fala sobre a importância de
não olhar para traz. O discípulo é chamado a olhar para frente, chamado para
avançar e por isso não pode ter alguma coisa que o prenda e o faz olhar para
traz.
Possivelmente o coração
deste homem estava dividido. A nobre honra de ser um discípulo não permite que
o discípulo tenha o pé em uma canoa e o outro pé em outra canoa, pois
certamente as canoas terão destinos diferentes.
Ser um discípulo de Jesus
é nobre, ímpar e sublime. É necessário lembrar que juntamente com esta
honra, há responsabilidades as quais não podem ser esquecidas. Essa identidade
requer saber que há um custo, sempre haverá o que abrir mão para que o Reino de
Deus seja prioridade e somente conseguirão ser discípulos assim, aqueles que forem
determinados e resolutos. Todos quantos são discípulos de Jesus buscarão essas qualificações.
Em um contexto de
liderança tão pluralista, sincrética e apática, se faz necessário que na igreja
de Jesus tenha líderes corajosos, comprometidos com o Reino, comprometidos com
Jesus e que tenham entendido o chamado de Jesus feito a eles para servirem como
impávidos discípulos.